Desfechos clínicos e a saúde baseada em valor

Desfechos clínicos e a saúde baseada em valor

Neste artigo explicaremos, a princípio, como a medição de desfechos clínicos viabiliza a implantação da saúde baseada em valor (VBHC).

O texto está separado nos seguintes tópicos:

O que é saúde baseada em valor?

Saúde baseada em valor (tradução literal de Value-based healthcare, ou VBHC) é um termo que tem recebido cada vez mais destaque na área da Saúde. Muito se fala sobre o assunto, inclusive ele foi tema do CONAHP 2019, evento realizado pela ANAHP – Associação Nacional dos hospitais privados.

O conceito foi, inicialmente, concebido por Michael Porter e Elizabeth Teisberg em 2006, com a publicação do livro “Repensando a Saúde: Estratégias para Melhorar a Qualidade e Reduzir os Custos”.  Nas palavras de Porter:

“Value-based healthcare é uma iniciativa de reestruturação dos sistemas de saúde em todo o mundo, cujo objetivo global é ampliar o valor para os pacientes, conter a escaladas de custos e oferecer mais conveniência e serviços aos clientes.”

Em suma, valor é o resultado final obtido pelo paciente, levando em consideração o seu desfecho e sua experiência. A fórmula para cálculo de valor proposta por Porter é:

Valor = Desfecho Relevante para o paciente / Custo para obter este desfecho

Essa fórmula, nos leva à necessidade de entender dois pontos cruciais para a melhoria dos sistemas de saúde: a escalada de custos e a medição dos desfechos clínicos.

A escalada de custos na saúde

Os custos em saúde não param de crescer, por diversos motivos. O modelo de remuneração mais amplamente praticado no Brasil é o Fee-for-service ou “Conta aberta”. No qual os hospitais são remunerados por todos os recursos que utilizarem para tratar seus pacientes.

Frequentemente, este modelo influencia, fortemente, a escalada dos custos. Pois quanto mais recursos forem consumidos para um tratamento, maior é a remuneração do hospital. 

Em síntese, o maior problema deste modelo, é que os incentivos estão errados. Os hospitais deveriam ser incentivados a prover o melhor tratamento para os pacientes.  Com a utilização da menor quantidade de recursos possível, de forma a manter os custos sob controle. 

O modelo atual cria diversas anomalias no nosso sistema de saúde. Como por exemplo a quantidade de exames de ressonância magnética solicitadas.

A média anual de solicitação de exames de ressonância magnética, das 35 nações da OCDE, são de 52 exames para cada mil habitantes. Em 2017, o índice do sistema suplementar brasileiro foi de 149 por mil habitantes. Quase o triplo do valor de referência. Prática que parte da premissa, de que quanto maior o consumo de exames, maior a receita dos hospitais.

É por este motivo e alguns outros que a variação de custo médico-hospitalar (conhecido também como inflação médica) está sempre acima da inflação (IPCA). De fato, de 2015 até 2019 o valor sempre foi superior a 15% ao ano. 

Mas se este modelo traz incentivos errados e alavanca o crescimento dos custos, por outro lado, quais modelos resolvem estes problemas e porque eles ainda não foram implementados?

A ANS desenvolveu um extenso estudo sobre os modelos de remuneração, que você pode baixar aqui. Já antecipando, todos modelos analisados pela ANS, tem prós e contras. Contudo, o paciente continua em segundo plano.

Logo, por acreditar que o paciente deve estar no centro do cuidado. De antemão, pontuamos, que um modelo misto de remuneração deve ser estudado, a fim de enfatizar a qualidade dos desfechos clínicos gerados.

O que são desfechos clínicos?


Acompanhar desfechos clínicos é coletar informações quantitativas e qualitativas sobre o paciente, durante suas interações com o sistema de saúde (hospitais, clínicas, centros de diagnósticos etc). Igualmente, também no pós-tratamento / pós-alta.

Essa coleta pode utilizar métodos internacionalmente padronizados  ou caseiros.  Porém sempre lembrando de avaliar as condições físicas e psicológicas, do ponto de vista dos pacientes.

A percepção do paciente é muito importante, pois o objetivo do Value-based healthcare é colocar o paciente no centro do cuidado.

Acreditamos que este será um dos meios mais eficientes de acompanhar a qualidade de cada hospital  e seu corpo clínico, o que atualmente é feito indiretamente, baseado em acreditações e indicadores que não envolvem a percepção do paciente.

Quais os benefícios da medição de desfechos clínicos?

Para hospitais

Para os hospitais, podemos observar benefícios nítidos nas implantações de desfechos. Dentre estes benefícios que acompanhamos podemos citar:

Fidelização dos pacientes

Eles se sentem acolhidos ao receberem uma ligação do hospital perguntando como ele está se sentindo, e trazendo mais informações sobre sua patologia e tratamento.

Melhoria dos processos internos

Através das ligações para os pacientes é possível identificar as falhas nas orientações dos pacientes. Como por exemplo datas de retorno, orientações a paciente dentre outras falhas.

Melhoria da prática médica

Você já parou para pensar que médicos trabalham com pouco ou nenhum feedback? Após realizar um procedimento e dar alta para um paciente, dificilmente o médico sabe qual o impacto da intervenção na vida do paciente. Os dados gerados pela medição de desfecho clínico podem ser uma ferramenta para a melhoria da prática médica e a consolidação da medicina baseada em evidências.

Prova efetiva de qualidade

A medição dos desfechos clínicos, é uma evidência muito forte da qualidade assistencial de uma instituição. Acreditamos que os modelos de remuneração futuros serão baseados em um mix de bundle payment. Com uma bonificação ou penalização de acordo com o desfecho. De fato, já existem instituições e operadoras trabalhando desta forma para algumas patologias.

Como começar a medir desfechos clínicos?

Seleção da patologia

A primeira etapa para medir desfecho clínico é selecionar uma patologia ou condição clínica. Nossa sugestão é começar pequeno. Pode ser mais simples para a operacionalização, utilizar ferramentas já consolidadas de mercado, como por exemplo os Standard sets do ICHOM.

O ICHOM é um consórcio internacional para mensuração de desfecho clínico, fundado pela Harvard Business School, Karolinska Institutet e o The Boston Consulting Group. O Consórcio criou vários questionários (Standard sets), cada um focado em uma patologia, com o objetivo de padronizar o acompanhamento de desfecho clínico e a medição do valor gerado e percebido pelos pacientes.

Selecione então uma patologia e encontre o standard set do ICHOM correspondente. Os standard sets são abertos, e é possível fazer o download no próprio site do ICHOM. Veja em https://www.ichom.org/standard-sets/

Mas o que é um standard-set?

Standard set é um conjunto de questionários que são utilizados para o acompanhamento dos pacientes. O objetivo dele é possibilitar a coleta de informações estruturadas. De modo, que seja possível realizar estudos e tirar conclusões através da observação dos dados.

Os questionários são criados por um grupo internacional de especialistas. Com o objetivo de avaliar quais scores e instrumentos de mercado são os mais adequados para a mensuração de desfecho de uma determinada patologia.

Cada Standard Set traz um conjunto de perguntas que devem ser realizadas ao paciente em diferentes momentos. Como por exemplo na internação, 30, 60, 180 dias após a alta e assim por diante. 

Cada patologia tem um cronograma específico de aplicação dos questionários. Este processo é importante para que o paciente tenha a percepção de sua qualidade de vida enquanto já retornou para  sua rotina habitual.

O início da operação

Para operacionalizar o início da medição do desfecho clínico, é necessário entender quais são as informações relevantes em cada momento de contato. Para isso, consulte o standard set apropriado.

Em posse dessas informações, deve-se criar um processo para identificar quais pacientes devem ser acompanhados pelo programa de desfecho. 

Algumas instituições criam uma rotina de consultar diariamente no sistema de informação quais pacientes estão internados com um determinado CID, para que o responsável pela medição do desfecho já insira o paciente no programa.

O passo seguinte é criar uma agenda de acompanhamento. De acordo com o standard set da patologia, vários momentos de contatos irão acontecer com este paciente. É muito importante então adicionar estes pontos de contato em um calendário para que os contatos sejam realizados no momento correto.

Como alguns standard sets são extensos, é recomendável realizar um trabalho prévio de separação das questões de acordo com o momento. Há perguntas que são realizadas no momento da alta. Enquanto, há perguntas específicas para 30 dias após a alta, 60 dias após a alta e assim por diante.

Para cada momento então é interessante criar um template e um roteiro de entrevista, para que quem for entrar em contato com o paciente. Já saiba exatamente o que perguntar, e como registrar esses dados.

A gestão dos dados de desfecho

Como um projeto piloto, neste momento não é necessário buscar por ferramentas rebuscadas para acompanhamento de desfecho clínico. Planilhas excel, podem resolver o problema enquanto o volume de dados e de pacientes participantes do programa forem pequenos.

Com o crescimento do volume de pacientes e patologias participantes do programa, a operação já começa a se tornar mais complicada.

O acompanhamento de calendário de diversos pacientes, juntamente com diversos questionários específicos para cada momento, passa a se tornar um desafio de operação.

Neste momento, recomenda-se a utilização de plataforma mais estruturadas. Uma alternativa utilizada por algumas instituições é o RedCap. 

O RedCap é uma ferramenta muito utilizada em estudos clínicos. Ele possui um modelo de licença gratuita para instituições filantrópicas. Pode ser utilizado para o controle de agenda e aplicação de questionários. 

Se você possui disponibilidade da equipe de TI para configuração e customização do Redcap. Esta pode ser uma boa alternativa para sua instituição. Já que a ferramenta, apesar de não ter uma interface muito amigável, é capaz de suprir as necessidades básicas da aplicação de questionários no momento correto. 

Tenha apenas como ponto de atenção a grande necessidade de customização da plataforma. Pois os standard sets são complexos e dispendiosos de serem criados do zero. 

Outro ponto que também pode demandar esforço da TI é a exportação e análise dos dados. Dentro do Redcap não é tão simples, pode ser necessário criar rotinas. Sobretudo, na qual os dados de desfecho sejam exportados para plataformas de BI da instituição. Dessa maneira é possível realizar análises mais aprofundadas.

Para quem não possui disponibilidade da TI, O NCI Outcomes, uma plataforma especialista no acompanhamento de desfechos clínicos. Pode simplificar muito a operação do acompanhamento de desfecho. 

Nesta ferramenta já existem diversos standard sets configurados e prontos para serem utilizados no dia a dia da instituição. Por ser uma plataforma especialista, sua implantação e configuração é simples e rápida. Conta com boa usabilidade e diversas análises de indicadores dos desfechos clínicos.

A avaliação dos desfechos clínicos

Ao avaliar os indicadores gerados pela mensuração de desfecho podemos iniciar vários projetos baseados em dados, e não somente em percepções isoladas. O desfecho clínico gera subsídio para a prática da medicina baseada em evidências de forma prática.

Como resultado, podemos esperar ser capazes de:

  • Realizar avaliação de performance médica.
  • Analisar quais tipos de tratamento tiveram melhor desfecho.
  • Reavaliar protocolos internos e condutas médicas.
  • Analisar a relação custo-benefício de tratamentos.

De fato, algumas instituições que medem desfechos já estão colhendo os benefícios. 

Há casos onde foram criados comitês médicos, para comparação das condutas tomadas com os resultados obtidos. Essas análises já foram subsídio para criação ou modificação de protocolos institucionais, os desfechos posteriores.

Desfechos clínicos e VBHC no Brasil

No Brasil, algumas instituições já estão na dianteira deste processo. A ANAHP iniciou em parceria com a ICHOM um projeto piloto no ano de 2016, para o benchmark de resultados de desfechos clínicos de Insuficiência cardíaca congestiva.

Deste processo participam hospitais conhecidos pela sua excelência. Como por exemplo, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Hospital do Coração – HCor, Hospital Israelita Albert Einstein,  Hospital Sírio-Libanês, Hospital Vera Cruz, entre outros.

Os resultados já estão surgindo. Em 2019 a ANAHP foi reconhecida como líder na América Latina em medição de desfechos e referência mundial em grandes grupos.

O projeto está crescendo em quantidade de participantes e também de patologias. Em 2019 contava já com 16 instituições acompanhando 4 patologias: Insuficiência Cardíaca Congestiva, Acidente Vascular Cerebral, Sepse e Osteoartrite / osteoartrose de quadril e joelho.

O sucesso deste modelo tem chamado a atenção também das operadoras de saúde, que estão se movimentando no sentido de executar projetos pilotos. Isso acontece por vislumbrarem novos e mais eficientes modelos de pagamento, baseado na qualidade efetivamente mensurada.

Seria este movimento o início da virada do modelo assistencial e de remuneração?

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